domingo, setembro 10, 2006

DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO



“Se os Governos forem, um a um, valorizando, sistematizando, divulgando, fixando o seu Folk Lore, estarão criando uma Internacional de Poesia, pacífica, invencível, a mais natural, a mais democrática, a mais profunda de todas as organizações sociais, unindo, através dos idiomas e das religiões, das culturas e das civilizações, do tempo e do espaço, todos os homens, de todas as raças, numa continuidade de beleza, de lirismo, de confiança e de solidarismo humano.”

Luís da Câmara Cascudo

Hugo Macedo
Internacional da Poesia
Do Blog do Cascudo

Na sessão de encerramento da Comissão Executiva do Congresso Luso Brasileiro de Folk Lore em Lisboa, o Sr. Antônio Ferro fez um discurso sugestivo. Discurso conversando e sem pretensão de eloqüência. Não ergueu a voz. A sala era pequena e acolhedora. O Palácio da Foz, em vermelho e branco, é um dos mais lindos da Europa. Casa fidalga do século XVIII, cheia de recordações graciosas, de festas que deixaram saudades, de elegância, de bom gosto, ambiente em que a conversa era uma Arte e o espírito um estado normal da inteligência. O Sr. Antônio Ferro, fixando a importância essencial da defesa do Folk Lore, como fisionomia coletiva em sua expressão natural e poderosa de beleza, lembrou que o povo imprime aos seus objetos um pormenor de graça, de colorido e de emoção incomparável e lógico. A poesia e o canto, o desenho coreográfico e a indumentária, todo material etnográfico, constitui uma força viva, mobilizada automaticamente para a guarda da alma popular na profundeza de sua sinceridade, do seu direito de expressar-se sem obediência e submissão ao Ganon exterior, efêmero e sucessivo, da Moda...

A valorização do Folk Lore pelos Governos é um ato natural. Tão natural como a organização de suas Forças Militares. É um exército invisível e perpétuo, vivendo nas almas, de geração em geração, defendendo o País, idioma, hábito, cultura oral, costume, a técnica secular conquistadora de maravilhas. Se os Governos forem, um a um, valorizando, sistematizando, divulgando, fixando o seu Folk Lore, estarão criando uma Internacional de Poesia, pacífica, invencível, a mais natural, a mais democrática, a mais profunda de todas as organizações sociais, unindo, através dos idiomas e das religiões, das culturas e das civilizações, do tempo e do espaço, todos os homens, de todas as raças, numa continuidade de beleza, de lirismo, de confiança e de solidarismo humano. Os temas cantados em todas as línguas, em cem fórmulas musicais, dizem um mapa comum, determinando a aproximação, o entendimento, o conhecimento intelectual pela sensibilidade da tradição. Será uma Internacional de Poesia em serviço, em defesa e conservação da Paz. Folk Lore é cultura popular, independente, omnimoda, universal e nacional, coletiva, é una, milenar e presente. Valorizá-lo, como o faz o Governo de Portugal, é assumir uma atitude em serviço da Paz pela presença afetuosa da inteligência anônima dos povos.

O Sr. Antônio Ferro fez, sem intenção e sem vaidade, o seu discurso de inauguração do Congresso. E, velho enamorado da Arte Popular Portuguesa, expôs, aos seus companheiros do Folk Lore Brasileiro, o programa inicial de sua doutrina radicular e natural.

Luís da Câmara Cascudo
Diário de Natal, 27 de dezembro de 1947
http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/index2.htm