segunda-feira, setembro 04, 2006

ORIGENS CELTAS



"Aquilo que tentei fazer, junto com outras pessoas, foi alertar os meios de comunicação social e as autoridades para o valor dessas tradições, do seu significado, da riqueza que elas continham e contêm, e do risco que estavam correndo de se perderem se não houvesse alguém, que de alguma forma, apoiasse a sua realização."
Antônio Tiza

Joana Lima/DN
Entrevista
Antônio Pinelo Tiza
O Poti, 03.08.06

Diversos estudiosos da cultura popular brasileira estiveram em Natal na semana passada, participando do 12º Congresso Brasileiro de Folclore. Entre eles, o português Antônio Pinelo Tiza, professor de história da Universidade de Bragança, cidade onde também reside. Há 15 anos, ele se debruça sobre as tradições do Norte e Nordeste de Portugal, especialmente da região de Tras-dos Montes. Atendendo a um convite do evento, o professor, que se considera um "estudioso amador" do assunto, esteve em Natal para discorrer sobre a influência que tais tradições lusitanas exercem no folclore do Nordeste brasileiro. Em entrevista ao Diário de Natal, ele falou sobre a origem dessas tradições.


“Portugal influenciou o Nordeste”


Diário de Natal - É muito forte a influência lusitana no folclore nordestino?


Antônio Pinelo Tiza - Eu penso que sim. A conclusão a que eu cheguei é que de fato a grande maioria das tradições nordestinas celebradas no ciclo das 12 noites, que em Portugal chamamos de ciclo dos 12 dias, período que compreende de 25 de dezembro a 6 de janeiro, sofre uma forte influência lusitana. Escolhi este período por, na minha opinião, ser o mais rico em celebrações e ter uma simbologia muito profunda, tanto aqui no Nordeste quanto lá em Portugal. Este também é o período de maior influência de Portugal no Nordeste brasileiro.

Quais são essas influências tão fortes?


São influências nos ritos profanos e religiosos, na música, na dança, nas vestes, na indumentária, nas máscaras, nas figuras. O simples fato de existir máscara num ritual de partida parece não fazer sentido que apareça um mascarado. Por exemplo, na Folia de Reis aparece um mascarado. Se perguntarmos porque aparece aquele palhaço mascarado, só iremos compreender se formos à origem à raiz. Efetivamente, um mascarado lá no Nordeste português é uma figura fundamental que aparece em todos estes rituais.

Então podemos dizer que a figura do mascarado é de fundamental importância para comprovar a influência lusitana em nossa cultura popular?


Sim. E essa influência é sempre maior no Nordeste brasileiro. Essas tradições começaram a ser trazidas já no início da colonização.

As músicas cantadas nos rituais no Nordeste brasileiro são as mesmas dos ritos lusitanos?

Mais ou menos. A letra difere sempre, mesmo lá. De uma terra para outra, já há diferença, até porque é uma tradição oral que vai evoluindo de forma diferente. É normal que aqui também tenha evoluído de uma forma bastante diferente.

Qual a origem de seu interesse pelo estudo do folclore, já que o senhor afirma não ter nenhuma relação com a sua formação?


Esta tendência está relacionada com o fato de ser oriundo de uma região muito rica em tradições neste período do ano, nesse tal ciclo das 12 noites. É Tras-dos-Montes que fica no Nordeste de Portugal. O que verifiquei é que havia algumas dessas tradições que corriam o risco de se perderem. Aquilo que tentei fazer, junto com outras pessoas, foi alertar os meios de comunicação social e as autoridades para o valor dessas tradições, do seu significado, da riqueza que elas continham e contêm, e do risco que estavam correndo de se perderem se não houvesse alguém, que de alguma forma, apoiasse a sua realização.

De fato melhorou, ocorreram iniciativas para resgatar essas tradições portuguesas?


Melhorou. Posso exemplificar com a Festa dos Rapazes, que é uma dessas festas que acontecem nesse período, em 25 e 26 de dezembro. Há 15 anos, numa dessas festas que eu visitei, apareciam sete, oito, dez mascarados. No ano passado, voltei lá e o número quintuplicou, seriam cerca de 100.

O que de concreto foi feito para salvar essas tradições?

Foi dado o alerta através de textos e reportagens, nos jornais, televisões e rádios. As prefeituras ficaram em alerta para esses rituais e festividades e começaram a apoiar a realização, incentivando, oferecendo meios financeiros, fazendo os boletins (revista na qual é publicada as atividades da prefeitura) e chamando atenção para isso, além de apoiar a edição de livros sobre o assunto.

Qual seria a origem dessas tradições lusitanas?


A origem é interessante também. Pelo que verifiquei, eu e outros estudiosos, esses rituais não têm nada a ver com essas celebrações cristãs do Natal ou dos Reis. Isto é, não faz sentido que apareça uma figura diabólica, que é o tal mascarado que popularmente é o diabo, a celebrar o nascimento de Jesus Cristo. Na verdade, é que ele aparece e, portanto, se aparece, temos que buscar a sua origem em outras festividades anteriores ao Cristianismo. São ritos muito mais antigos que o próprio Cristianismo, ou seja, temos que buscar as tradições dos povos celtas que ocuparam a Península Ibérica, notadamente aquela região onde tiveram uma presença mais forte. E, depois, mais tarde, nos romanos.

Então podemos dizer que o nosso folclore sofre influência de tradições originadas antes do cristianismo?

Isso mesmo, são de origem romana e celta. Por outro lado, a Igreja Cristã tentou acabar com essas festas pagãs e conseguiu acabar com elas em vários sítios. Para a Igreja, não fazia sentido existir uma festa ao deus Saturno ou ao deus Baco no dia do nascimento de Cristo. Tinha que acabar com elas e a única forma que ela teve de acabar com essas festas pagãs foi subistitui-las por outras cristãs. Ou seja, substituiu a festa do deus Sol por outra festa que era o nascimento de Cristo, sendo que o novo sol já não é sol estrela, mas é o sol Cristo.

Como se manteve então tais tradições em Tras-dos-Montes?

Apenas nessa pequena região do Nordeste português, e do outro lado da fronteira na parte espanhola, numa época em que não haviam fronteiras, esta região era a mesma. A Península Ibérica era uma só. No tempo dos romanos, tudo era Império Romano, digamos. Não haviam ali limites que separassem e, portanto, de um lado e do outro da fronteira as tradições eram as mesmas. Ainda hoje são as mesmas, com pequenas diferenciações. E, portanto, devido talvez a um certo isolamento que essa região sempre teve em relação ao poder central, ao desenvolvimento e a dificuldade que se tinha em chegar lá, como o próprio nome diz, Tras-dos-Montes é uma região montanhosa. Todos esses fatores contribuíram para permitir que essas tradições se mantivessem sem a influência da Igreja. Sem que a Igreja se fizesse sentir de uma maneira tão acentuada.

Diante desse convite para participar do Congresso, irá aumentar seu interesse pelo folclore do Nordeste brasileiro?

Sim, aliás já estou adquirindo obras que vão me permitir aprofundar isso.

Voltando aos mascarados, eles exercem influência sobre o nosso Carnaval?

Todo Carnaval tem origem européia. O Carnaval foi introduzido no Brasil, e em outras partes do mundo, pelos europeus, não só pelos portugueses. O Carnaval era um celebração profana dos tempos dos romanos. Era uma celebração ao deus dos rebanhos, Pen, e que acontecia justamente em meados de fevereiro. Os sacerdotes deste deus se despiam, cobriam apenas as partes genitais com uma pele de cabra ou ovelha e percorriam as ruas tentando castigar as mulheres. Julgando que com estas chicotadas estavam fecundando. O que acontece, mais tarde na Idade Média, é que essa mesma festa foi aproveitada pela Igreja. Que disse: o Carnaval é época de exagero na comida e na bebida, mas no dia seguinte começa o grande período de jejum que é a quaresma, a quarta-feira de cinzas.