sábado, agosto 26, 2006

DOS BARREIROS

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"Lá nos Barreiros onde eu nasci,
Em São Gonçalo onde eu me criei,
Eu vou voltar pra meu sítio Oiteiro,
Adeus Rio de Janeiro, adeus."
Versos cantados por Dona Militana numa apresentação no Teatro João Caetano, Rio de Janeiro, durante participação especial no espetáculo "Lunário Perpétuo", ao lado do brincante pernambucano Antônio Nóbrega

Hugo Macedo
Dez minutos de prosa com Dona Militana

Rafael Duarte
Tribuna do Norte, 26/08/2006

Aos 81 anos, Dona Militana dispensa as teorias sobre a “salvação” da cultura popular no Estado. Não é de muito papo nem liga para quem acha que sabe tudo de folclore. A romanceira que recebeu recentemente das mãos do presidente Lula a Comenda da Ordem do Mérito Cultural quer apenas sossego. E tirá-la da paz da casinha de taipa onde mora em São Gonçalo do Amarante, definitivamente, não foi uma boa idéia naquela quarta-feira. Com menos de dez minutos de prosa, Dona Militana cruzou os braços e anunciou o que todos já pressentiam: “quero ir embora! Quero ir para minha casa!”, bradou.

Enquanto o neto que a acompanhava não escondia o constrangimento pela cena, as atenções do restante do grupo se voltaram para a romanceira. O pesquisador Deífilo Gurgel foi rápido e puxou da memória um dos romances da impaciente Militana. Só não imaginava a reação que viria do outro lado. “É um romance belíssimo, com passagens lindas. Mas tem um verso que fala num homem de voz fina. Será que ele desmunheca?”, questionou em tom de brincadeira. A resposta veio de pronto, afiada e rasteira. “É não, menino. Voz fina quer dizer que o homem foi gentil!”, disparou no rumo do desconcertado professor.

A inocência cruel de Dona Militana dá luz à sabedoria popular. É capaz de transformar frases simples em ditados. Quando indagada sobre se não sentia falta do reconhecimento pelo trabalho desenvolvido como romanceira ao longo dos anos, devolveu a pergunta. “E tem coisa melhor de que viver sozinha?”, disse.

A insistência do repórter na ausência do Estado como agente de preservação da cultura popular rendeu reação semelhante, além de elevar o nível de impaciência dela. “É melhor estar sozinha do que mal acompanhada!”, encerrou o assunto antes de se levantar e tomar o caminho de casa.