sábado, agosto 26, 2006

TRABALHO SOLITÁRIO

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"Eis o mérito do Prof. Deífilo Gurgel: buscou as fontes primárias. Palmilhou os caminhos do Rio Grande do Norte de máquina fotográfica e gravador a tiracolo, ouvindo gente, batendo em portas e sentando-se nos terreiros das casas humildes para ouvir contarem os fragmentos desbotados da tradição popular."

Iaperi Araújo


Um canto de muro para o folclore
Tribuna do Norte, 26/08/2006
Rafael Duarte - Repórter

Pode parecer óbvio, mas tem gente que não sabe: a cultura popular não vive somente do mês de agosto - época em que o folclore é lembrado no país através de debates e apresentações das tradições locais. No Rio Grande do Norte, por exemplo, há grupos que se mantém às duras penas em atividade durante o ano todo. Alguns já desapareceram. A falta de apoio é ainda o grande problema a ser enfrentado. Aposentadoria para os que prestaram serviço à cultura local? É lenda para boi dormir. Os que conseguiram emprego em outros setores para completar a renda contaram com a ajuda de gente que vem dedicando a vida ao registros das manifestações do povo, como o pesquisador Deífilo Gurgel.

A realização do 12o Congresso Brasileiro de Folclore, em Natal, na próxima semana, mostra ao menos que a cultura popular do Estado tem projeção nacional. O fato se deve, e muito, à luta do professor Luís da Câmara Cascudo em preservar as tradições locais. Em vida, ele registrou o que pôde da raiz potiguar e contou ao mundo. Não por acaso, o maior nome da cultura do Estado ainda hoje é lembrado Brasil afora. “Ele fazia tudo sozinho. Em 1941, Cascudo lançou a sociedade brasileira de folk-lore para registrar as manifestações locais e nacionais. Seis anos depois é que criaram a comissão nacional de folclore. Ou seja, ele estava muito na frente do seu tempo”, analisa a neta Dhaliana Cascudo.

A ausência física de Cascudo, no entanto, é um fato há 20 anos. O folclore potiguar continua. O que fazer, então, para mudar o quadro e resgatar as tradições locais?

A TRIBUNA DO NORTE provocou esta semana algumas pessoas envolvidas com o tema para discutir o assunto. Participaram do encontro a presidente da Fundação José Augusto, Isaura Rosado, o pesquisador Deífilo Gurgel, o coordenador local do 12o Congresso Brasileiro de Folclore, Severino Vicente, a romanceira Dona Militana, a viúva do mestre Manoel Marinheiro que mantém a tradição do boi de reis no bairro de Felipe Camarão, Odaíza Pontes Galvão, além da diretora do Memorial e neta de Cascudo, Dhaliana Cascudo.

O bate-papo ocorreu quarta-feira passada no Memorial Câmara Cascudo a partir da pergunta: “Como cada um vê o folclore no Estado?”. Após uma hora de conversa, um fato foi apontado: não existe uma medida prática sendo tocada no RN para mudar a situação.

A presidente da FJA, Isaura Rosado, defendeu que o resgate tem que estar atrelado ao turismo, mas não disse como se daria essa relação. A tese, inclusive, é tema do congresso que começa na próxima segunda-feira. “A cultura está ligada à atividade econômica e o turismo é fundamental para isso. Temos que explorar o folclore dessa forma, afinal essa é a terra de Câmara Cascudo. Como o professor Deífilo Gurgel costuma dizer, temos os grupos folclóricos mais importantes do país”, disse ela, que anunciou ainda a publicação de dois editais para a construção do memorial Chico Antônio, orçado em R$ 68 mil, e da Estação Central de Cultura Popular, que deve custar R$ 780 mil.

Pesquisador diz que trabalho é solitário

O pesquisador Deífilo Gurgel - apontado pelo grupo como um dos sucessores de Cascudo, ao lado de Oswaldo Lamartine e outros historiadores - denunciou que, no folclore, as pessoas trabalham sozinhas. “Infelizmente é assim. No tempo de Cascudo, ele chegou a ser denunciado a Juvenal Lamartine por um professor do Atheneu que disse que em vez de ensinar história, mandava os alunos dele pesquisar sobre lendas como lobisomem e mula-sem cabeça”, afirmou.

Ele contou que tinha um projeto para reunir num mesmo local vários grupos tradicionais do Estado, mas desistiu porque não teve apoio. “Era a Vila Chico Santeiro. Algumas pessoas disseram que não ia dar certo porque cada um vive em seu ambiente, mas iríamos fazer uma coisa para manter as tradições. Me ofereceram um terreno em São Gonçalo uma vez, mas deixei para lá. Depois de muita luta fui conseguindo um emprego aqui outro ali para algumas pessoas, mas nem sempre dava. Para você ter uma idéia, liguei essa semana para a comissão nacional de folclore para dizer que estávamos sem dinheiro para fazer o evento. A presidente disse que era assim mesmo, que o último congresso em Porto Alegre foi feito com o que sobrou do carnaval. Aí eu disse: sobra!? Aqui não conseguimos nem a sobra do foliaduto!´”, afirmou.

Sentindo na pele a falta de interesse das autoridades, a viúva do Mestre Manoel Marinheiro, Odaíza Galvão, conta que o boi de reis em Felipe Camarão foi esquecido. O grupo é dividido em dois: o juvenil, que conta com o apoio da Ong Terra Mar, e adulto, que sobrevive com dificuldade.

“Quando Manoel Marinheiro ainda era vivo chegaram a dizer que nos apoiariam. Até hoje, só veio a Ong TerraMar. Mas só bancam as crianças. A outra parte do boi fica sem proteção. Eu trabalho todos os dias costurando as roupas e os figurinos dos brincantes. Quando sobra pano, faço para os adultos, mas não é sempre. Acho que precisaria de muita coisa para mudar. Meu marido não sabia ler nem escrever, mas representou a cultura do Estado. A obra dele merecia uma atenção melhor”, desabafou.